Em sua conferência XXVI, Freud se dedica a abordar o tema da libido de maneira necessariamente entrelaçada a outros conceitos centrais para a sua compreensão, como o narcisismo, as pulsões de autoconservação e as pulsões sexuais. Dessa forma, antes mesmo de adentrar ao terreno conceitual da libido enquanto uma energia oriunda da pulsão sexual que é responsável por realizar o investimento em objetos ou mesmo no sujeito em si mesmo, Freud retoma a diferença essencial entre as pulsões de autoconservação e as pulsões sexuais.
Pulsões de autoconservação vs. Pulsões sexuais
Para o autor, portanto, as pulsões de autoconservação dizem respeito ao que se articula com o atendimento das necessidades mais prementes dos sujeitos, que estão inseridas na ordem de demandas como a fome, a sede e todo o conjunto de aspectos que respondem à sobrevivência. Nesse sentido, as pulsões de autoconservação dialogam com o princípio de realidade e são genuinamente egoístas.
As pulsões sexuais, por outro lado, são plásticas e têm como finalidade o prazer e a reprodução, de modo que estão mais intimamente ligadas ao princípio de prazer (desejos eróticos, fantasias, investimento em objetos amorosos) e são inicialmente autoeróticas e depois objetais.
A partir do momento em que Freud estabelece a diferença entre os dois tipos de pulsões, o mesmo vai desenvolvendo o terreno necessário para trazer à luz as bases do que será estabelecido como libido do ego e libido do objeto. Nesse sentido, tomando como ponto de partida a noção de que as pulsões de autoconservação são necessárias para o surgimento das pulsões sexuais, o autor identifica componentes libidinais emergentes nos atos mais precoces dos sujeitos, notadamente a atividade de mamar, que começa a carregar consigo não apenas a nutrição, mas o prazer envolvido no ato de sugar.
Toda essa sua evolução teórica vai dando contorno ao que, em meados de 1920, surgirá como sua segunda tópica, isto é, a “substituição” da dualidade autoconservação e sexualidade para a ideia de pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Thanatos). Até que desemboque nesse momento, Freud aprofunda significativamente seu trabalho frente ao conceito de narcisismo e os seus entrelaçamentos com uma série de elementos constitutivos do sujeito em formação, tais como o eu ideal e o ideal do eu.
Pontos-chave da teoria da libido
A grande ênfase que Freud dá quando desenvolve a teoria da libido é o seu papel enquanto energia disponível para ser investida tanto no sujeito quanto nos objetos. Nesse sentido, importa o trânsito que essa energia vai realizar, de modo que suas vicissitudes darão notícias a respeito de fixações, sintomas e demais características narcísicas da pessoa que a maneja. Como consequência, haverá diversos desdobramentos possíveis a partir da forma como a libido será investida ao longo da vida.
A esse respeito, Freud sinaliza alguns dos desdobramentos de sua atuação, tais como o sono, o enamoramento, o adoecimento orgânico e a esquizofrenia.
Sono
No sono, ocorre um desinvestimento nos objetos externos em prol do investimento em elementos internos do próprio sujeito. Em outras palavras, para dormir, é necessário que se abra mão de todas as atividades externas, de modo que toda a energia vital se direciona ao ato de repousar. Além disso, no sono, é possível identificar o desfecho não patológico do incremento da libido narcísica.
Enamoramento
No enamoramento, ocorre um fenômeno que une o altruísmo e o investimento libidinal, pois se trata de uma condição em que o sujeito investe sua libido no outro, buscando satisfazê-lo, e, com isso, sente prazer. Em relação ao enamoramento, Freud também sinaliza o fato de que o objeto que é alvo do apaixonamento substitui o eu que antes recebia o investimento libidinal. Em outras palavras, seria possível dizer que, no enamoramento, existe amor narcísico e amor objetal ao mesmo tempo, e isso só é possível porque há algo de fundido entre o objeto e o eu nessa situação.
Adoecimento orgânico
Em relação ao adoecimento orgânico, Freud afirma que há uma notável retirada da libido objetal, ou seja, quando se está doente, o sujeito fica menos capaz de sentir prazer com as coisas e com os outros.
Esquizofrenia
Na esquizofrenia, ocorre o desfecho patológico do incremento da libido narcísica. Nesse caso, o represamento da libido ocasiona um adoecimento psíquico. No caso da esquizofrenia, ocorre uma tentativa de retorno aos objetos.
Diferença entre egoísmo e narcisismo
Freud fará uma distinção entre egoísmo e narcisismo à medida que o primeiro diz respeito aos instintos do eu se voltando para o eu, enquanto narcisismo são os instintos libidinais (energia libidinal) se voltando para o eu. Na prática, o egoísmo pode ou não estar acompanhado do narcisismo, pois a sua fonte está atrelada às questões de sobrevivência (interesse de autoconservação). Nesse sentido, é possível que o egoísmo esteja acompanhado de narcisismo à medida que há também um investimento libidinal no eu, isto é, não apenas da ordem da autoconservação. Por isso, o contrário também é possível, ou seja, o egoísmo se fazer presente apenas no âmbito do atendimento das necessidades de sobrevivência, sem que, com ele, esteja presente uma energia libidinal encarregada de trazer satisfação e prazer.
Diferença entre altruísmo, egoísmo e investimento libidinal
Segundo Freud, é possível investir em algo libidinalmente sem ser altruísta, o que envolveria, na prática, abrir mão do cuidado com o eu. Por outro lado, também é possível ser altruísta e não ter investimento libidinal (o exemplo do bom samaritano que faz o bem sem esperar retorno, sem sentir prazer ou desprazer, o cuidado é o fim em si mesmo) e é possível ser altruísta com investimento libidinal.
Escolha anaclítica do objeto e escolha narcísica do objeto
A escolha objetal do tipo narcísico diz respeito ao eu que escolhe como objeto algo semelhante ao eu (Freud relaciona esse tipo de escolha ao componente homossexual), e o tipo de escolha de objeto anaclítico (de apoio) que diz respeito a escolher um dos objetos responsáveis pela satisfação material (primeiro a mãe e depois o pai como complemento da mãe na satisfação material).
Neurose como consequência da disfusão entre os instintos
A neurose é essa desarmonia, é a oposição entre a sexualidade e a autopreservação; portanto, a sociedade é neurótica como um todo, porque a sociedade nos impõe um trabalho que é essencialmente desprazeroso e relativiza a vida, enquanto tenta dar prazeres carnais fáceis aos indivíduos.
